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Minha jornada olímpica, por Isabel Clark
24 de abril de 2024

Estava vindo em um notável assenso técnico, físico e mental em direção aos jogos olímpicos de PyeongChang. Foram quatro anos de muita dedicação e esforço para me manter no alto rendimento e evoluir em todas as áreas. Muitas pessoas me ajudaram, o que foi de extrema importância.

A temporada Austral em 2017 foi excelente. Treinamos em diferentes start sections e pistas de Snowboard Cross, tive destacados pódios nas Copas Sul Americanas, e classifiquei para as duas finais de Copa do Mundo em Bariloche. Na seqüência, o treino físico continuou forte no Brasil, focando em força, potência, aeróbico intervalado, e treino técnico no skate.

Partimos para a temporada Olímpica Boreal no começo de novembro. Iniciamos os treinos específicos em conjunto com a equipe italiana, e me adaptei rapidamente ao ritmo de treino deles, que já vinham pelo menos a dois microciclos na minha frente. Em seguida, participei de mais duas etapas de Copa do Mundo na França e Áustria, e também me classifiquei para as finais nas duas. Ficando em todas as primeiras quatro etapas da temporada, dentro das top 15.

Depois disso, partimos para a etapa da Copa do Mundo da Itália, e foi lá que sofri um forte acidente, na primeira descida de classificatória, bem no final da pista, tendo que ser transportada de helicóptero para o hospital, com uma forte lesão cervical. Mesmo sem conseguir me mover praticamente nada nas horas seguintes ao acidente, devido a extrema dor no pescoço, graças a Deus os exames não mostraram fratura. Mas o grande impacto e edema, fez com que a minha musculatura parasse de funcionar. De todos os acidentes que tive, nunca tinha sentido tanta dor.

Voltando ao Brasil, meu médico Dr Leonardo Metsavaht disse que eu tinha que agradecer meu anjo da guarda, pois este acidente poderia ter tido consequências fatais. Tive que adiar a ida para Europa por três semanas, e fiquei um mês no Rio de Janeiro me recuperando, numa luta entre dosar exercícios, dor, fisioterapia e mesoterapia. Perdi treinos na neve e três etapas da Copa do Mundo. A recuperação da lesão foi notável, e no final do período já estava começando a fazer treino físico e inclusive treino específico no skate. Finalmente partimos para a Europa confiantes, ainda sentindo dores, mas bem mais controladas que no início. E mesmo tendo perdido massa muscular, sabia que a minha técnica e memória muscular me ajudaria muito.

Mas na neve não foi como esperávamos. O frio, o maior impacto, fortes compressões e vibrações durante as descidas na neve, fez com que as dores incomodassem bem mais, tanto durante como após os treinos técnicos. Nos treinos oficiais da Copa do Mundo da Alemanha, (onde foi a primeira vez que enfrentei uma pista inteira de boarder depois do acidente), as dores se intensificavam a cada tentativa de descer a pista, deixando-me insegura. Decidimos não competir.

Depois disso partimos para os Jogos Olímpicos. Sabia que ia me enfrentar com uma difícil situação, com uma pista exigente, na qual o meu pescoço iria reclamar novamente. Me dei conta que medicamentos potentes para a dor seriam de extrema importância, pois mesmo estando melhor, as dores atrapalhavam muito a minha performance.

Chegando na Vila Olímpica, o frio de PyeongChang piorava as dores ainda mais todos os dias. Deixei de ir na cerimônia de abertura pelo mesmo motivo. A equipe médica hesitava em acreditar em minhas fortes dores, pois supostamente estava bem clinicamente. Na véspera do primeiro dia de treino oficial na pista de SBX dos Jogos Olímpicos, com muita insistência minha e da equipe técnica, o médico da delegação do Brasil me passou um remédio potente para a dor. Com o medicamento, foi a primeira vez que me senti normal e o pescoço parou de me incomodar por algumas horas, foi um alívio. Pude focar na técnica e ir ganhando confiança aos poucos na pista que era de um considerável tamanho.

No final do segundo dia de treino, quando já estava me sentindo bem mais à vontade, fui fazer o maior salto pela primeira vez, achando que estava na velocidade correta, mas havia um pouco de vento contra que eu não percebi, e aterrissei super curto sofrendo um grande impacto que machucou meu calcanhar e joelho direitos.

Na hora já senti que tinha machucado forte o calcanhar, não consegui caminhar, nem descer de snowboard. Fui transportada pelos ski patrols de maca para a clínica em pista e em seguida encaminhada para o Hospital de ambulância, onde permaneci muitas horas para fazer radiografias e ressonância. O médico da delegação me informou que o diagnóstico dos exames não apontavam nem fraturas nem maiores lesões. Mas não via possibilidade de conseguir enfrentar a pista se nem conseguia caminhar de tanta dor no calcanhar, joelho inchado e com mobilidade bloqueada. Esperamos até o dia seguinte, mas ainda não conseguia encostar o calcanhar no chão e o joelho estava mais inchado.

No dia seguinte do meu acidente, na competição masculina de SBX, 11 atletas foram parar no hospital durante as finais em situações graves, como fratura da cervical, fratura na tíbia, ligamento de joelho e por aí vai. Depois dessa experiência, muitas mudanças foram feitas na pista para o dia da competição das mulheres, que foi bem melhor e com menos acidentes. Mesmo assim, seis meninas já haviam se acidentado durante os dias de treino, incluindo eu que não pude largar. Foi muito triste ver de fora a competição.

Chegando no Chile, fiz outra ressonância no joelho 12 dias após o acidente, que mostrou outra realidade. Fratura e edema no platô tibial, além de outras lesões de menisco lateral e ligamento cruzado anterior, na qual o diagnóstico indicava cirurgia. De repente tudo mudou e me imaginei fazendo cirurgia e passando por uma longa recuperação.

Chegando no Rio de Janeiro, tive duas surpresas muito boas. Uma maravilhosa recepção na qual minha irmã Ana tinha organizado, com a família, amigos e vizinhos, incluindo um lindo samba feito em minha homenagem pelo grupo “Batuque do Martelo” da minha rua. A outra grande surpresa, foi que a nova orientação médica foi de evitar a cirurgia. Fui atendida por uma equipe médica liderada pelo Dr Metsavaht, que ficou quase duas horas avaliando e analisando o meu joelho, exames antigos e atuais (ressonância e biocinética). “Vamos observando a evolução da lesão e refazer exames mais para frente”, eles disseram. Essa notícia foi um alívio e estou torcendo para esse plano dar certo.

Valorizo muito minha dedicação e trajetória, assim com o apoio de todos que fizeram possível essa jornada. Sempre estarei imensamente grata a todos que estiveram comigo nesse processo. E depois desses dois fortes acidentes, dou graças a Deus, por estar caminhando e saudável.

Tenho muita vontade de contribuir para o esporte e é muito gratificante ver novos atletas surgindo. Essa temporada também voltarei a trabalhar como instrutora de snowboard em Valle Nevado. Dando um tempo para me redescobrir, fazendo o que gosto e visualizando futuros projetos.

É isso aí pessoal, obrigada mais uma vez por me acompanharem!

Tags: Isabel Clark jogos olímpicos snowboard snowboard cross